Aos 3 anos arrastava as letras pra dentro de casa, fazia esculturas com o gosto dos sons
Aos 5 anos contava a si mesma os segredos das formas que se disfarçavam por detrás das palavras
Aos 8 anos desbravava universos, construía castelos, dava vida a princesas, perturbava os segredos
Aos 11 anos escrevia poemas, tinha 3 leitores, contando seus pais e irmão.
Aos 13 abominava os espelhos e colecionava palavras em segredos, sentidos sem formas e clichês manjados em famílias inteiras
7 anos mais tarde descobrira que certas ideias ficavam melhor esquecidas e que contar histórias não era pra qualquer um.
2 anos depois tinha medo das formas, abandonara as palavras receando desrespeitar seus nomes.
Calou sua fome, esperou que passasse.
Não passou, não passava.
Dias de sol, dias de chuva, nublados, radiantes e a fome, a sede dos olhos.
Mais 3 anos, mais 7, menos 8.
Buscava outras modas, angustiada pela ânsia que causa a fome.
Sentia vontade de arrastar novamente as letras pra dentro de casa, contar segredos a si, egocentricamente, sentia que poderia perturbar outra vez os castelos e as princesas, trepar por sobre as assonâncias, voltar as suas medíocres combinações.
Ainda odiaria os espelhos, mas, dessa vez, os deixaria inquietos.
Experimentaria os nomes e deglutiria-os sem remorsos, faria deles paçoca e depois voltaria a eles sem temores, sem receios.
Deixaria, ainda, espaço para os clichês, aceitaria que não entende nada de ser poeta, que não entende nada de fazer as letras casarem conforme sugerem os mandamentos, chutaria o pau da barraca, faria de conta que contava segredos novos, que compartilhava ideias que interessassem a alguém.
Contaria histórias como quem se alimenta pela primeira vez depois de meses a perambular por estradas.
Usaria a fome e as letras e riria de si, e de suas patéticas histerias e diria que a fome faz coisa com a gente e pronto.
10 anos depois e isso tem nome. Diz que chama paralelismo, mas eu gostaria que se chamasse nostalgia.
20 anos depois e 4 leitores, contando os pais e o irmão.