quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Uma palavra.
e
Um minuto depois diante de um imenso corredor pouco lapidado
Infinito e vertical
Depois, horizontal.
Dentro e fora dos olhos.
Dias passados e a maré ainda invadindo os espaços indevidos.
Indevidos porque assim foi definido.
Horas ultrapassadas e uma palavra
Mesma e outra.
A falta de imaginação do que se quer/pode/deve dizer quando interpelado.
Um sobressalto, e, ainda, o amargo sabor do que não se pode ignorar.
O chá no sofá, os sons insistentes, o incenso de baunilha

E a palavra.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Dizer por dizer ("qualquer coisa de intermédio")

Eu escrevo pra justamente não ser
eu
ser outro
Pra dizer bem dito
mal dito
pra rir das infâmias, pra contar vantagem
pra descontar os minutos passados no parto
Dou nomes, dou caras, disfarço ideias, finjo insights
pra não perder a memória
Faço cisões aleatórias
Jogo pro alta as palavras, insinuo um desastre,
enceno um disfarce.
Eu-mudo.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

per-Curso. Recurso.

Aos 3 anos arrastava as letras pra dentro de casa, fazia esculturas com o gosto dos sons
Aos 5 anos contava a si mesma os segredos das formas que se disfarçavam por detrás das palavras
Aos 8 anos desbravava universos, construía castelos, dava vida a princesas, perturbava os segredos
Aos 11 anos escrevia poemas, tinha 3 leitores, contando seus pais e irmão.
Aos 13 abominava os espelhos e colecionava palavras em segredos, sentidos sem formas e clichês manjados em famílias inteiras
7 anos mais tarde descobrira que certas ideias ficavam melhor esquecidas e que contar histórias não era pra qualquer um.
2 anos depois tinha medo das formas, abandonara as palavras receando desrespeitar seus nomes.
Calou sua fome, esperou que passasse.
Não passou, não passava.
Dias de sol, dias de chuva, nublados, radiantes e a fome, a sede dos olhos.
Mais 3 anos, mais 7, menos 8.
Buscava outras modas, angustiada pela ânsia que causa a fome.
Sentia vontade de arrastar novamente as letras pra dentro de casa, contar segredos a si, egocentricamente, sentia que poderia perturbar outra vez os castelos e as princesas, trepar por sobre as assonâncias, voltar as suas medíocres combinações.
Ainda odiaria os espelhos, mas, dessa vez, os deixaria inquietos.
Experimentaria os nomes e deglutiria-os sem remorsos, faria deles paçoca e depois voltaria a eles sem temores, sem receios.
Deixaria, ainda, espaço para os clichês, aceitaria que não entende nada de ser poeta, que não entende nada de fazer as letras casarem conforme sugerem os mandamentos, chutaria o pau da barraca, faria de conta que  contava segredos novos, que compartilhava ideias que interessassem a alguém.
Contaria histórias como quem se alimenta pela primeira vez depois de meses a perambular por estradas.
Usaria a fome e as letras e riria de si, e de suas patéticas histerias e diria que a fome faz coisa com a gente e pronto.
10 anos depois e isso tem nome. Diz que chama paralelismo, mas eu gostaria que se chamasse nostalgia.
20 anos depois e 4 leitores, contando os pais e o irmão.






quinta-feira, 16 de maio de 2013

ex-te-se

Entre o ser e o sentido um assovio fininho despertando estesias
De dentro do espelho um doce hálito que se achega com as gélidas brisas de um inverno qualquer
Ares que encolhem o corpo pra dentro do plexo solar
Frontal exposto em olhos de algodão
Plácidos
exaustos e esfomeados diante do frescor das folhas caídas,
das bailantes fiações que adornam as nostálgicas vias.
Estonteantes e arrebatadoras brisas que se insinuam
roçam os cabelos sem pudores, com rumores
exigentes brisas que guiam os olhos, a boca e o tino em direção às límpidas constelações
de acinzentadas cores interpenetradas pelas faíscas, pelos lampejos das noites,
pela melancolia dos dias ofuscantes.
Doces sabores de um vinho em dia de um vaidoso outono.



quinta-feira, 25 de abril de 2013

Indecorosamente

Das certezas que Dora tem e tinha e dos confrontos relutantes gestados entre certezas e as contradições inerentes a elas, apenas uma parecia permanecer intocável.
A primeira vez que Dora provara o sabor de uma nota que tocava o fundo do olho da garganta, ela soubera que poderia encontrar aquele sentido onde quer que estivesse.
Sem repetições frouxas ou decorativos dizeres, só ela e as memórias de um tempo concorrente, co-ocorrente.
Tantas certezas abandonadas na beira da estrada e tantas ausências cantaroladas na expectativa de uma atenuância silenciosa.
Falta do que fazer, falta do que pensar, falta do que comer.
A certeza de um naco de cada um dos que estão e dos que são.
E, ali, intocável, uma porção de caquinhos brilhantes em formas de sons, materializando a experiência do que não se pode dizer e que ao ser tocado se esvai, se esfarela no tempo feito palavras que impetuosamente insistem em dar corpo às auroras, aos parélios, aos penitentes e aos catatumbos.
A certeza era dessas que não se pode sentir, dessas que abstraídas do seu espectro perdem a opacidade que faz a graça.

https://www.youtube.com/watch?v=eAA3KF-VBac

terça-feira, 9 de abril de 2013

Dos calares.


Parecia que olhava de dentro dos olhos do mundo.
Cheia de fome de tudo
mas invadida pelo peso de um receio intermitente.
Com a voz quase muda, num sussurro, deseja 'bons dias' e 'tardes'
Quase inaudível, seguia cabisbaixa. com medo de desaparecer antes que chegasse ao final do corredor.
Entrava nas salas com o olho inundado pelo desejo, mas com a voz engasgada pelos silêncios.
Uma disputa sem tréguas.
Diziam: "entra muda e sai calada, qual será a dessa minúscula representante de seres humanos?"
Sentada no fundo da sala de aguardos, via-se de cima, reconduzindo seus compassos.
Temerosa escrevia os pensamentos e rasgava-os. Ela ateava fogo nas mais insanas ideias.
Flutuava pelos espaços buscando um pedaço de amontoados de sensações.
Esquecia-se do tempo em que prometera recomeçar do outro lado do disco. Lados de A a Z.
E usava as potencialidades da narrativa para expiar seus surdos silêncios saturados de calares.
Não sabia dizer com ditos, preferia os zunidos.
Imagem de Venícios Cassiano: Em Teotihuacan

quinta-feira, 4 de abril de 2013

'

Do lado de fora um estalido doce e sonoro de gotas que afogam as mágoas das calçadas
Do lado de dentro as lembranças 
A saudade de quem fica parece árdua,
mais árdua do que a saudade de quem foi, de quem vai.
São compromissos distintos, são contratos de lembranças que se misturam ao por-vir e que pouco a pouco viram outros momentos, outros espaços.
Da perspectiva de quem vai, a ideia de quem fica é que a memória se esvai pelo mundo que se achega
O olhar, entretanto, se anuveia de cá, se anuveia de lá e ao contrário do que parece a medida da lembrança se faz distintamente, não se metrifica em verso, não se compõe em prosa.
Do lado de dentro
o estalido continua,
leve, metamorfoseando as idas, 
materializando as vindas.



sábado, 30 de março de 2013

Das memórias de um menino

Doralice morava numa caixa de sapatos.
Cheia de memórias recortadas espalhadas pelas paredes.
Colagens de pedaços de histórias, de sentidos combinados.
As janelas eram delicadamente esculpidas como molduras de amanhecer, as portas construídas pela vontade de ver tardes e noites.
Os móveis eram imaginativamente pintados a cada nova estação, emprestando cores e versos.
Doralice acreditava na sutileza das cores da primavera, mas dava encanto para as do inverno e deixava sob as folhas do outono a caliência do verão.
Toda manhã saía de sua caixa na expectativa de aprender um pouco mais sobre as contas da vida, sobre as ideias de mundo. Voltava às tardes, por vezes, inspirada, por outras, alienada em seu desejo de provar mais sem doer nos riscos.
Olhava o céu e rabiscava sensações.
Mudava os nomes das coisas por esperança, saboreava o inexplicável, mas se enfurecia com seus momentos de descrença e de desespero.
Temia profundamente o desperdício das coisas da vida, receava perder olhares e receava ainda mais o receio que a afastava do pulso, dos suspiros, das lágrimas, da raiva e do riso.
Por dias, assistia o sol mudando esferas.
Uma vida toda para entender.
Toda uma vida para experienciar.