sábado, 30 de março de 2013

Das memórias de um menino

Doralice morava numa caixa de sapatos.
Cheia de memórias recortadas espalhadas pelas paredes.
Colagens de pedaços de histórias, de sentidos combinados.
As janelas eram delicadamente esculpidas como molduras de amanhecer, as portas construídas pela vontade de ver tardes e noites.
Os móveis eram imaginativamente pintados a cada nova estação, emprestando cores e versos.
Doralice acreditava na sutileza das cores da primavera, mas dava encanto para as do inverno e deixava sob as folhas do outono a caliência do verão.
Toda manhã saía de sua caixa na expectativa de aprender um pouco mais sobre as contas da vida, sobre as ideias de mundo. Voltava às tardes, por vezes, inspirada, por outras, alienada em seu desejo de provar mais sem doer nos riscos.
Olhava o céu e rabiscava sensações.
Mudava os nomes das coisas por esperança, saboreava o inexplicável, mas se enfurecia com seus momentos de descrença e de desespero.
Temia profundamente o desperdício das coisas da vida, receava perder olhares e receava ainda mais o receio que a afastava do pulso, dos suspiros, das lágrimas, da raiva e do riso.
Por dias, assistia o sol mudando esferas.
Uma vida toda para entender.
Toda uma vida para experienciar.



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