sábado, 19 de março de 2016

Posicionar-se é preciso.

A quem interessar compreender melhor os posicionamentos que estão sendo necessários nesse momento. (meu olhar)
Temos processo de impeachment; investigações relativas a atos de representantes, que elegemos, no que concerne a desvios de dinheiro, tratados imorais, ilegais; acordos e delações premiadas. Temos também um cenário de crise generalizada, mas que não se sabe bem onde começa, onde termina. Sabemos, eu acho, como começou e por quais razões.
Temos bombardeios de informações de todos os lados. E não me iludo quanto ao poder do discurso e dos dizeres. Desconfio sempre e vou trilhando caminhos que me parecem relevantes para entender o que vem acontecendo. Ou seja, informar-se e organizar argumentos pautados na fala de Bonner não me parece muito sábio, pelo contrário, me parece a busca pelo caminho mais curto e que mantém o pessoal na vala comum dos pensamentos que não exigem argumentação, já que quando você está no lugar ‘seguro’ basta apenas juntar-se ao coro dos que estão reforçando os gritos pelo bem comum (de quem? Pergunta que fica meio suspensa), pelo apartidarismo (isso existe? Sério mesmo que te convenceram disso?), pela ética (a coisa vai complicando). Simplificando bastante aqui a coisa toda.

Temos áudios vazados, recortes de vídeos e informações lançadas loucamente e estrategicamente em noticiários, que juram indignação e imparcialidade, e nas redes sociais. E, de novo, como alguém que estuda o signo, lamento informar, mas ele é sempre ideológico. Tipo, sempre. Estou aqui falando de um lugar muito claro e ao que digo juntam-se as tantas outras postagens e escolhas que tenho feito e que legitimam mais ou menos o meu dizer para uns do que para outros. Convivamos com isso, porque vais nos ajudando a entender melhor o entorno em relação ao que compreendemos do que está sendo dito, feito, dos caminhos trilhados.
Temos também uma Constituição e pela história dos nossos leitores e do nosso cenário educacional, duvido muito que conheça um grande número de pessoas que já tenha jogado no Google: Constituição + Brasil + História. Mas sempre é tempo.
Vamos seguindo, temos estratégias e lutas pelo poder, temos contradições e um cenário bem complexo pra avaliar e compreender. Já ouvi bastante que a luta pelo poder é óbvia e não estamos aqui questionando isso.
Mas temos, também, e isso me parece muito importante, pra mim, fundante e fundamental, projetos de sociedade. Entendo que isso possa ser novo pra muita gente, mas em minha compreensão isso é definitivo para os alinhamentos que estamos assumindo ou não nesse momento. 
Temos descontentamentos compartilhados em relação ao que era esperado e não foi assumido pelo governo atual, ainda que não veja como não se possa perceber ao longo da última década o caminho trilhado, a mudança em relação aos direitos adquiridos para os que estavam soterrados em uma espécie de determinismo do nascer-morrer no mesmo lugar. Memória seria conveniente agora.
Mas estaria sendo cruel se considerasse que a falta de memória é o grande problema da nossa população, não é, uma vez que, novamente, se olharmos para o passado de nossos pais e avós, se perguntarmos sobre as possibilidades de escolarização e de acesso a bens culturais, entenderemos que assumir um posicionamento, que ter acesso a discussões, debates e embates dessa natureza exige caminho, exige memória e vivência de que algo que não estava disponível do modo como está hoje. E não estou falando em mitos de ascensão e progresso por meio de uma educação para a reprodução e reconhecimento do dado. É ingênuo e insano depositar toda a mudança numa concepção de leitura e de escola descolada da prática social efetiva e das condições sociais, econômicas e históricas.
Então, a coisa toda é complexa. De um lado, o projeto de sociedade de que compartilho e que luta e busca direitos, combate a desigualdade, o preconceito, a intolerância, a simplificação de problemas sociais e políticos, que se posiciona contra a negação de políticas de ação afirmativa e a necessidade de lidar com questões históricas que nos levaram a ter uma configuração de sociedade que não se reconhece nos lugares onde está. O que não quer dizer que não se viva contradições e que não se experimente da condição humana quando se compartilha de ideias que defendem o direito de uma vida com dignidade para o povo. Temos nossos próprios embates relativos aos diferentes modos de se pensar e viver tudo isso.
De outro lado, temos um projeto de sociedade que defende o privilégio e a manutenção dos lugares garantidos por nascença ou mérito (lógica cruel quando se sai por aí e se olha um pouquinho melhor o contexto). Um projeto que também chama para si o direito de dizer-se ético e favorável ao cidadão 'de bem'. Discordo do projeto pelas contradições que me parecem segurar as ações e os lugares desses sujeitos, pelos disfarces que utilizam para convencer a maioria, por entender a importância da massa. Discordo por inúmeras razões e entendo que esse é um tipo de discordância de base, de projeto de sociedade e, aí, parece que estamos falando línguas distintas.

E como nada é tão dicotômico quando se trata da vida e da sociedade, temos os pecados do nosso governo atual e temos milhares de interesses de inúmeros lados que discordam dos projetos de sociedade postos em discussão. Não dá pra recortar o nosso bairro num país como o Brasil e tomar como representativo da vontade do povo, não dá pra ignorar o que foi feito e não dá pra selecionar um desejo de justiça alimentado pelas escolhas dos nossos (de)formadores de opinião. Não dá pra ignorar como a gente age no dia a dia e se colocar num pedestal de retidão e sair apontando o outro como em menos condição de humanidade que nós.
Claro que entender o que se passa agora exige muito mais, exige aprofundamento. Claro que desde sempre é parte do senso comum a vinculação da política à politicagem e isso nos leva a sair com frases de efeito, frases prontas sobre a atuação dos políticos que elegemos. Claro que temos uma sensação de desesperança e que parece que qualquer coisa é melhor do que ficar sendo feito de palhaço quando o Bonner nos joga na cara todo dia uma história tragicômica sobre nós mesmos. Mas me intriga o quanto a gente se afeta seletivamente. Porque os nossos problemas da comunidade passam batido, os nossos problemas do município e do estado parecem esquecidos e a gente se desespera e aproveita pra falar tudo de uma vez, mas sem se envolver mais do que no descontentamento das frases prontas.
É complicado. É cheio de nós e de desdobramentos e pensar sobre isso dá nó na cabeça e no coração. Mas também causa nó, e na garganta, ver como nos comportamos e como ignoramos a complexidade da vida, como abrimos mão de parar um pouco de esbravejar pra pensar o que leva o nosso amiguinho a se alinhar a um lado, a outro, ou a outro.
Em tese, vivemos e organizamos nossa sociedade coletivamente. Queira você ou não, somos sujeitos sociais, históricos e cheios de contradições. Lutou-se e se luta pelo direito, porque o instinto nos faz querer a comida toda, o território todo, a razão sempre. E ao outro, um nada, porque ele não chegou primeiro, porque ele não é rápido, porque ele não nasceu onde e quando deveria ter nascido para poder desfrutar do direito de ter casa, comida, escolha.
E por aí vai.