segunda-feira, 5 de dezembro de 2016


O ano ainda pode ser salvo pelo canto da cigarra.
No ouvido, o eco da lembrança infantil fazendo o coração se embalar ao som das corriqueiras ideias materializadas no ato de correr até mais tarde na rua, de esquecer os deveres de casa, de comer milho verde na praia em tarde com cheiro de sal e vento. 
No olfato, a lembrança do sol que se demora a esconder e que faz o pensamento sentir que hoje ainda é tempo de ser mais.
Pulsa o desejo.
Pulsa. Tato. 
Pulsa o desejo de sair e de tomar o mundo pelos fios de luz que se perdem no mar. Visão.
E vale o sentido de inquietude que conserta o mal empregado tempo dedicado ao tudo que esmaga a vontade de menos, de só ser.
Outras perguntas, novas perguntas e mais amanhã.
Abençoada arquitetônica em dezembro.
Salvem as cigarras e sua tonal presença nas encenações de certos dias.





domingo, 3 de julho de 2016

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Uma mente que não silencia e que exausta procura um segundo, um milésimo de sentido do exato instante em que submersa se escuta, se pressente.
O minuto presente, o anseio pelo eterno ajeitar das ideias intranquilas e inquietas. As perguntas que miram um percurso que não se pretende definido e que se enluta pelo definitivo, pela bamboleante sensação de que a incerteza não cabe na admissão de um trajeto complementado pelo que se entende para além do que se dúvida, do que não se sente, não se entende.
A tarefa de entrecruzar mundo-ideia-sentido-formato e de sobre e dela viver, constantemente em estado de desacordo, em estado de desalinho.
O árduo propósito de dela se alimentar e propor que a alteridade nela se reconheça, o cansaço por ter o ar como mirante do concreto, do palpável, e por se afastar ao se aproximar do provisório recorte do seu melhor ‘agora’, do seu mais bonito ‘depois’.
Estações de aqui, bom inverno, estimado verão, anúncio metalinguístico do que sempre se pode ser quando se está indo.
Um sabor.
Um espectro.

Um ensejo.


























sexta-feira, 13 de maio de 2016

Mulher valente, sim!
Mulher que orgulha, sim!
A queda pelos acertos é o que dói e o que assusta.
Olhai e vê.
Somos uma piada como leitores, como participantes ativos de nossas comunidades, de nossos bairros, que dirá de instâncias outras.
Não sabemos como funciona o sistema de governo, não sabemos quem ocupou os ministérios, não sabemos quem os invade agora, mas se a Dilma saiu, estamos felizes, estamos vitoriosos. Uma partida de bafo vencida?
Uma celebração ao ódio é o que vejo. E a História dirá e lembraremos disso? Tenho minhas dúvidas, já que a formação do leitor, do sujeito que reflete sobre o que lê já está sendo mutilada. As indignações com o que poderia ter sido feito e não foi residem em mim, mas o que foi feito deslocou tantas possibilidades para os que estavam alijados da possibilidade de saber que tinham possibilidades que isso devastou os senhores e senhoras da manutenção do status quo.
E eu rumino em mim que se ao menos eles dissessem em alto e bom som que desejam tudo para si, que não aceitam mulher no poder, que incomoda a diferença, que incomoda o amor entre as pessoas, que desconforta profundamente o compartilhamento dos espaços e dos bens e que sua proposta de ressuscitação do que eles entendem por Economia é cortar direito trabalhista, sim, é cortar investimento em Pesquisa, em Educação, sim, e é desossar o Brasil entre os abutres que cercam há tempos a carne que ainda respirava.
Algumas dessas intenções se materializam em algumas Propostas de Lei (PL) e Propostas de Emendas à Constituição (PEC).
PEC 143/2015 - Desvincula a obrigatoriedade de investimento em Educação, Saúde e Tecnologia de 25% da grana enviada pelo Governo para isto.
PL 867 - prevê a inclusão de cerceamento nas escolas de discussões que invalidam na origem a proposta de formação de um sujeito que pense, que analise a situação em que vive para além da sua realidade imediata.
PL 3842 - retira da condição de crime a exploração do trabalhador. Quer dizer, que pode deixar a pessoa em situação degradante de trabalho, pode tacar nela uma jornada de trabalho a la século XVIII.
PL 4193 - tchau, CLT. Leis trabalhistas? Pra quê? O sujeito não precisa de 1h de almoço, gente. "Em 15 minutos todo mundo consegue comer algo e voltar pro trabalho"
PL 4193 - tchau, CLT. Leis trabalhistas? Pra quê? O sujeito não precisa de 1h de almoço, gente. "Em 15 minutos todo mundo consegue comer algo e voltar pro trabalho". (duas vezes de propósito)
PEC 171 - essa eu sei que um monte de gente aplaude de pé, mas tá aí, redução da maioridade penal acabando com a criminalidade no Brasil, quiçá no mundo!
PL 3722 - e pra completar, vamos começar a liberação mais frouxa do armamento, já que é bem assim que a gente vai reduzir a violência, e olhar pras pesquisas, que mostram o quanto isso tem sido devastador nos lugares em que tudo ok pensar que isso resolve, não precisa. (Ironia... tenho precisado avisar e isso me preocupa na ideia da formação do leitor).
PL 6583 - E lá vem o estatuto da família. Pra que isso, gente? Na boa... nem digo nada.
PL 478 - E a consolidação da hipocrisia em mais uma de suas facetas: criminalização do aborto e mais uma afronta aos direitos das mulheres e de toda uma discussão que não tem cabimento.
PLS - licenciamento ambiental especial para atender aos interesses dos grandões de cada cidadezinha desse país.
E há outras medidas e propostas, mas tem que ir atrás, ler e ler e ler.
Os discursos parecem de progresso, de segurança e de liberdade aos que 'merecem'. E aí, me parece que temos que ter mais claro o que exatamente a gente quer e pra onde a gente quer que o Brasil vá, mas eu não acho que as pessoas pensem efetivamente sobre isso, não acho que leiam mais do que as manchetes e depois escutem o Bonner, o Wack e sei lá mais qual opinador tendencioso.
E vejam que a questão de ser tendencioso é fingir neutralidade, coisa que não se faz quando se assume o que se está defendendo. Por isso, me incomoda, sim, que não digam ao que vieram e que sorrateiramente digam que fazem algo por um país que não conhecem e que não procuram conhecer, ou pior, que conhecem e desejam ignorar, destilando seus odiozinhos aos que não chegaram primeiro e que não ocuparam espaços privilegiados quando isso ainda era uma questão sobre a qual não havia legislação, ou que exploraram até a invalidez um punhado de gente que alimentava suas riquezas.
Pensar dói, imobiliza em alguns momentos, mas não aceito nessa vida menos que isso.
Dilma sofre por acertar. E isso é tão recorrente na vida que chega a doer no fundo.

sábado, 19 de março de 2016

Posicionar-se é preciso.

A quem interessar compreender melhor os posicionamentos que estão sendo necessários nesse momento. (meu olhar)
Temos processo de impeachment; investigações relativas a atos de representantes, que elegemos, no que concerne a desvios de dinheiro, tratados imorais, ilegais; acordos e delações premiadas. Temos também um cenário de crise generalizada, mas que não se sabe bem onde começa, onde termina. Sabemos, eu acho, como começou e por quais razões.
Temos bombardeios de informações de todos os lados. E não me iludo quanto ao poder do discurso e dos dizeres. Desconfio sempre e vou trilhando caminhos que me parecem relevantes para entender o que vem acontecendo. Ou seja, informar-se e organizar argumentos pautados na fala de Bonner não me parece muito sábio, pelo contrário, me parece a busca pelo caminho mais curto e que mantém o pessoal na vala comum dos pensamentos que não exigem argumentação, já que quando você está no lugar ‘seguro’ basta apenas juntar-se ao coro dos que estão reforçando os gritos pelo bem comum (de quem? Pergunta que fica meio suspensa), pelo apartidarismo (isso existe? Sério mesmo que te convenceram disso?), pela ética (a coisa vai complicando). Simplificando bastante aqui a coisa toda.

Temos áudios vazados, recortes de vídeos e informações lançadas loucamente e estrategicamente em noticiários, que juram indignação e imparcialidade, e nas redes sociais. E, de novo, como alguém que estuda o signo, lamento informar, mas ele é sempre ideológico. Tipo, sempre. Estou aqui falando de um lugar muito claro e ao que digo juntam-se as tantas outras postagens e escolhas que tenho feito e que legitimam mais ou menos o meu dizer para uns do que para outros. Convivamos com isso, porque vais nos ajudando a entender melhor o entorno em relação ao que compreendemos do que está sendo dito, feito, dos caminhos trilhados.
Temos também uma Constituição e pela história dos nossos leitores e do nosso cenário educacional, duvido muito que conheça um grande número de pessoas que já tenha jogado no Google: Constituição + Brasil + História. Mas sempre é tempo.
Vamos seguindo, temos estratégias e lutas pelo poder, temos contradições e um cenário bem complexo pra avaliar e compreender. Já ouvi bastante que a luta pelo poder é óbvia e não estamos aqui questionando isso.
Mas temos, também, e isso me parece muito importante, pra mim, fundante e fundamental, projetos de sociedade. Entendo que isso possa ser novo pra muita gente, mas em minha compreensão isso é definitivo para os alinhamentos que estamos assumindo ou não nesse momento. 
Temos descontentamentos compartilhados em relação ao que era esperado e não foi assumido pelo governo atual, ainda que não veja como não se possa perceber ao longo da última década o caminho trilhado, a mudança em relação aos direitos adquiridos para os que estavam soterrados em uma espécie de determinismo do nascer-morrer no mesmo lugar. Memória seria conveniente agora.
Mas estaria sendo cruel se considerasse que a falta de memória é o grande problema da nossa população, não é, uma vez que, novamente, se olharmos para o passado de nossos pais e avós, se perguntarmos sobre as possibilidades de escolarização e de acesso a bens culturais, entenderemos que assumir um posicionamento, que ter acesso a discussões, debates e embates dessa natureza exige caminho, exige memória e vivência de que algo que não estava disponível do modo como está hoje. E não estou falando em mitos de ascensão e progresso por meio de uma educação para a reprodução e reconhecimento do dado. É ingênuo e insano depositar toda a mudança numa concepção de leitura e de escola descolada da prática social efetiva e das condições sociais, econômicas e históricas.
Então, a coisa toda é complexa. De um lado, o projeto de sociedade de que compartilho e que luta e busca direitos, combate a desigualdade, o preconceito, a intolerância, a simplificação de problemas sociais e políticos, que se posiciona contra a negação de políticas de ação afirmativa e a necessidade de lidar com questões históricas que nos levaram a ter uma configuração de sociedade que não se reconhece nos lugares onde está. O que não quer dizer que não se viva contradições e que não se experimente da condição humana quando se compartilha de ideias que defendem o direito de uma vida com dignidade para o povo. Temos nossos próprios embates relativos aos diferentes modos de se pensar e viver tudo isso.
De outro lado, temos um projeto de sociedade que defende o privilégio e a manutenção dos lugares garantidos por nascença ou mérito (lógica cruel quando se sai por aí e se olha um pouquinho melhor o contexto). Um projeto que também chama para si o direito de dizer-se ético e favorável ao cidadão 'de bem'. Discordo do projeto pelas contradições que me parecem segurar as ações e os lugares desses sujeitos, pelos disfarces que utilizam para convencer a maioria, por entender a importância da massa. Discordo por inúmeras razões e entendo que esse é um tipo de discordância de base, de projeto de sociedade e, aí, parece que estamos falando línguas distintas.

E como nada é tão dicotômico quando se trata da vida e da sociedade, temos os pecados do nosso governo atual e temos milhares de interesses de inúmeros lados que discordam dos projetos de sociedade postos em discussão. Não dá pra recortar o nosso bairro num país como o Brasil e tomar como representativo da vontade do povo, não dá pra ignorar o que foi feito e não dá pra selecionar um desejo de justiça alimentado pelas escolhas dos nossos (de)formadores de opinião. Não dá pra ignorar como a gente age no dia a dia e se colocar num pedestal de retidão e sair apontando o outro como em menos condição de humanidade que nós.
Claro que entender o que se passa agora exige muito mais, exige aprofundamento. Claro que desde sempre é parte do senso comum a vinculação da política à politicagem e isso nos leva a sair com frases de efeito, frases prontas sobre a atuação dos políticos que elegemos. Claro que temos uma sensação de desesperança e que parece que qualquer coisa é melhor do que ficar sendo feito de palhaço quando o Bonner nos joga na cara todo dia uma história tragicômica sobre nós mesmos. Mas me intriga o quanto a gente se afeta seletivamente. Porque os nossos problemas da comunidade passam batido, os nossos problemas do município e do estado parecem esquecidos e a gente se desespera e aproveita pra falar tudo de uma vez, mas sem se envolver mais do que no descontentamento das frases prontas.
É complicado. É cheio de nós e de desdobramentos e pensar sobre isso dá nó na cabeça e no coração. Mas também causa nó, e na garganta, ver como nos comportamos e como ignoramos a complexidade da vida, como abrimos mão de parar um pouco de esbravejar pra pensar o que leva o nosso amiguinho a se alinhar a um lado, a outro, ou a outro.
Em tese, vivemos e organizamos nossa sociedade coletivamente. Queira você ou não, somos sujeitos sociais, históricos e cheios de contradições. Lutou-se e se luta pelo direito, porque o instinto nos faz querer a comida toda, o território todo, a razão sempre. E ao outro, um nada, porque ele não chegou primeiro, porque ele não é rápido, porque ele não nasceu onde e quando deveria ter nascido para poder desfrutar do direito de ter casa, comida, escolha.
E por aí vai.

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Ainda vou me consumir de tantas palavras que aprendi a não dizer, que aprendi a não dar forma.
Ainda vou me esvair de tantas culpas, de tantas ausências de razão, de tanto ar que me sufoca a glote.
De dentro do olho me salta um pulsar cheio de não ditos sentidos e ressentidos. De fora, me vem uma avaliação constante que me respinga na cara e me faz saber que não sei das maneiras adequadas, que perdi a intensidade na última parada e que por causa da experiência que engoli a seco muitas vozes virão ao meu encontro e eu ficarei entre elas, afogando os pedaços de um eu que só existe na abstração.
Por trás da lente do analista, explico meus não sentidos, dou formas e delimito conteúdos, ainda que desorganizadamente. Dou lugar aos anseios, arrumo os descontroles, dou nome aos excessos e tranquilizo os vizinhos dos meus sentimentos.
Disfarço a falta de entendimento com um sorriso discreto, largo palavras aleatórias na linha do tempo tentando apagar o ego que me confronta e me sufoca contra o espelho.
Calculo o tempo que leva pra que ocorram atenuações possíveis das minhas impulsivas e impossíveis contradições.
Discorro sobre o que vejo nos horizontes, traço linhas imaginárias que logo se tornam um emaranhado de fios que ligam fragmentos do passado, do presente e das minhas memórias de futuro.
Os emaranhados crescem, o caos me adormece. Sinto frio pelo que deixei de dizer, sinto um espaço em branco pelo que deixei de sentir. Acordo com fome e com vestígios de ferrugem nos olhos, nos lábios. Devolvo os caóticos dizeres e prometo não mais ignorar as partes do que fui e do que penso ser. Concluo que tudo isso é complicado demais e que escrever em primeira pessoa torna tudo isso banal, texto cansado, inapropriado. Perfeito. Aprendi que não se deve dizer sem medir os ecos, sem medir os estalos e os ruídos. Descobri que é exaustivo tentar fazer medições do que quer que seja.
Ordem: Devolva esse alterego pra gaveta e tudo fica bem. Ligue a TV, leia um livro, escreva um rascunho do que sente. Logo, o sono vem.

Acordo com o meu Leminski do lado. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Uma palavra.
e
Um minuto depois diante de um imenso corredor pouco lapidado
Infinito e vertical
Depois, horizontal.
Dentro e fora dos olhos.
Dias passados e a maré ainda invadindo os espaços indevidos.
Indevidos porque assim foi definido.
Horas ultrapassadas e uma palavra
Mesma e outra.
A falta de imaginação do que se quer/pode/deve dizer quando interpelado.
Um sobressalto, e, ainda, o amargo sabor do que não se pode ignorar.
O chá no sofá, os sons insistentes, o incenso de baunilha

E a palavra.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Dizer por dizer ("qualquer coisa de intermédio")

Eu escrevo pra justamente não ser
eu
ser outro
Pra dizer bem dito
mal dito
pra rir das infâmias, pra contar vantagem
pra descontar os minutos passados no parto
Dou nomes, dou caras, disfarço ideias, finjo insights
pra não perder a memória
Faço cisões aleatórias
Jogo pro alta as palavras, insinuo um desastre,
enceno um disfarce.
Eu-mudo.