sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O gosto era de infinito

Hoje tinha gosto de espaço, de finito tempo esvaído em largos passos depositados um após-o-outro, um após-o-outro no solo de terra fértil, imaginativamente fértil. O contato dos dedos com o ar de fim de tarde e o confronto visual que o pôr do sol disponibiliza fez-lhe perceber que no silêncio os pássaros e as brisas nos reviram com uma sutil intensidade. O gosto era de infinito, de vazio absoluto.
Na mesa, as letras invadiam o tempo e o espaço.
Espaço de carne, tempo de memória.
Na ponta do lápis, a proposição de um universo.
As ideias brotavam ora tímidas, ora temerosas, ora egocêntricas. Elas fingiam que eram únicas, donas de si e do mundo. Iam pelos rios, pelos fios, pelas veias e pelos olhos, transbordavam-se todas, até que outros universos as encontravam, as confrontavam. E, frente a frente com outros modos e hábitos achavam graça, pensavam farsas, corriam soltas. Tocavam as carnes, puxavam os fios, empurravam as veias, assopravam os olhos.
Nos dedos e nos lábios o gosto do tempo, o sabor da história.






sábado, 10 de novembro de 2012

De maneira que...

Enquanto lia outra memória, sentiu um arrepio profundo.
Uma fome de rodas, um desejo de palavras vivas, pulsantes.
Pensava em como seria bom se as palavras viessem mais do que os silêncios, do que os silenciamentos.
Depois ruminava: 'Não que os silêncios não fossem indispensáveis', mas causava espanto que eles se vestissem de silenciamentos e insistissem tanto em aparecer no lugar dos confrontos, dos dizeres de carne, osso e pulso.
Depois sussurrava temerosa: 'Não que não dizer não fosse poético',
mas é que dizer coloria as formas, musicava as letras, provocava o olfato, o ouvido, o olhar.
Em seguida, tomava coragem: 'E quem sabe o tato e o ato não fossem convocados, nessa história, a experienciar os modos de mexer no mundo?'
E pensava: 'onde foram parar os dizeres de outros jeitos, os dizeres de outros lugares?'
De que nome seriam chamados? Com que propósitos seriam convocados ou esfumaçados?
Pensava.
Temia perder o jeito com os fazeres.
Lia outra memória, enquanto havia enquanto.