sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Espetáculo.

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O “ser” já não faz muito diferença diante do “ter”, do poder. Tudo se compra ou negocia. Diante de todo o caos gerado pelo capital e pela necessidade do Homem de dominar, pouco restou aqueles que são diariamente entretidos com o pão e o circo de sempre. Com a modernização veio a disputa pelo mais caro, pelo melhor, resultando em formas mais eficazes de aniquilação de uma formação coerente do ser humano.
No texto, Modernidade e ambivalência de Zygmunt Bauman, a história da modernidade é discutida como intolerante. A ordem e o caos, segundo Bauman, são gêmeos modernos que nasceram devido a ruptura e ao colapso de um novo mundo que trouxe a máquina, a intensificação das descobertas científicas, a fragmentação das ciências, os modos de produção que foram alterados e o assalariado passando a vender sua mão de obra aos donos de  fábricas, não tendo tempo ou saúde mental e física para pensar, estudar, se aperfeiçoar.
 É o chamado lado sombrio da modernidade: condições degradantes, labor maçante e repetitivo, aperfeiçoamento das indústrias de guerra e confrontos nucleares, destruidor do meio ambiente e de uma condição decente de vida para o homem. Bauman diz que: “A modernidade orgulha-se da fragmentação do mundo como sua maior realização[...] Quanto mais segura à fragmentação, mais incoerente e menos controlável o caos resultante.”
A modernidade é portanto, uma experiência marcada pela ruptura para com as tradições e pela perda da crença no progresso e na instituição, que explora e marginaliza o indivíviduo assalariado, tornando dependente de um sistema que favorece os que detêm o poder.
Todo o caos gerado pela própria busca da ordem na modernidade foi gerando mais e mais problemas, mais miséria, menos valores, mais favelas, menos consciência. E a pós-modernidade, surgiu como característica de uma sociedade pós-industrial. Segundo Fredric Jameson, em Pós-modernidade e Sociedade de Consumo, pós modernidade é: “um conceito de periodização cuja principal função é correlacionar a emergência de novos traços formais na vida cultural com a emergência de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem econômica.” É a chamada sociedade de consumo, sociedade pós-industrial ou sociedade do espetáculo.
Jameson discute o pós-modernismo como uma “sociedade-efeito” da sociedade de consumo, como uma lógica do capitalismo tardio e ele escolheu duas marcas da pós-modernidade: o pastiche e a esquizofrenia. O pastiche seria uma imitação, a utilização de uma máscara, uma forma de reler o passado. No dicionário de termos literários:
“O pastiche insere-se assim no espírito modernista da colagem e reaproveitamento de moldes e estilemas, reabilitando-se e libertando-se do estigma de processo menorizado. O revivalismo do pastiche na época pós moderna prende-se com a Literatura da Exaustão e o fim da originalidade e do estilo autoral, a procura de significado e identidade pela apropriação deliberada, e com a percepção esquizofrénica do mundo e da cultura como um manancial de fragmentos permanentemente reutilizáveis.” (Carlos Ceia)
É como se fosse uma forma de resgatar momentos, mas sem o senso de humor da paródia, é uma adaptação, uma apropriação de emoções, uma forma de guiar a leitura, borrando as referências históricas e de tempo. Enquanto isso, a esquizofrenia, baseada nos estudos de Lacan, é uma perda das noções de tempo e espaço ( dificudades com a temporalidade: memória, presente e passado). É a perda do sentido do significante, que ao ser ultrapassado enquanto palavra, torna-se imagem.
Essas marcas do pós-moderno, estão todo tempo circulando nessa sociedade desencadeada pela Revolução Industrial. No cinema, na arquitetura, na música, na pintura, na literatura. O sujeito individual morreu, se é que algum dia existiu, como escreve Jameson, tudo já foi dito, a única possibilidade de inovar é na forma como se diz o que se quer dizer. No filme “A Sociedade do Espetáculo” de Guy Debord, o autor trabalha todo tempo com o corte e a repetição, como discute Agambem a propósito do cinema de Guy Debord em uma conferência em Gênova (novembro de 1995), o que quer dizer que o cinema em Debord, é feito através de imagens do próprio cinema, é aí está uma forma inovadora de dizer o que se quer dizer.
A força das imagens escolhidas, o movimento que Guy Debord dá à linguagem, enquanto discorre sobre o espetáculo, sobre o real que se converte em imagens, sobre as relações sociais mediadas pela imagem e tudo o que é acarretado por essa pós-modernidade instável e consumida pelo consumismo, conduz o espectador a refletir sobre o que sobrou depois da indústria, do capital e da exploração de tudo que pode gerar lucros.
Debord dicute em seu filme, a sociedade como uma sociedade do acúmulo dos espetáculos, em que o mesmo é ao mesmo tempo parte da sociedade e a própria sociedade em si, unificada pela falsa ideia de existência de uma realidade, que no entanto não passa de representação. O espetáculo, segundo Debord, “não é um conjunto de  imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.” É a forma encontrada para converter o mundo real em imagens, os sonhos em desejos de consumo, a busca incansável por algo que não se pode atingir, pois está sempre além do alcance.
E o sistema utiliza esse poder que possui sobre os indivíduos, impedindo sua formação enquanto ser autônomo e independente, incapaz de decidir, escolher ou julgar as condições a que está condicionado. O homem é o instrumento do trabalho e do consumo, é um objeto manipulado por meio de propagandas, pelo cinema, pela música, tornando toda relação existente em um bom ou mau negócio. Adorno em “Teoria da Cultura de Massa”, a respeito dessa condição exacerbante de consumo diz que, a indústria cultural molda o todo e as partes, atrofiando a imaginação e a espontaneidade, impondo uma realidade que desperta desejos, determinando o consumo e as “necessidades” dos consumidores.
Debord coloca essa sociedade do espetáculo como uma aceitação passiva de que se deseja algo e que não se pode viver sem esse algo, colocando a aparência das coisas acima de qualquer valor. É a negação da vida, que coloca o espetáculo como indiscutível e inacessível, nas palavras de Debord: “Sua mensagem única é, o que aparece é bom, e o que é bom aparece. A atitude que o espetáculo exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.”
Ou seja, as pessoas trabalham incansavelmente em um sistema que é indiscutível, imposto, não há outra saída a não ser aceitar que se vive para consumir e que nunca se tem o suficiente para consumir tudo que é veiculado na mídia. O que vende é uma posição social que aparente se ter mais do que se tem, o que vende é a imagem em si. Afinal, se está na mídia, todos querem ter, é a massificação dos gostos, das vontades e dos estilos. Se é moda ser estranho, tudo bem ser “estranho”, mas se a mídia não veicula nenhuma imagem relacionada a esse ou a outro estilo, então não é muito bem aceito pela sociedade. E, nesse momento, se deve escolher, adaptar-se e ser engolido pelo sistema ou tentar uma fuga que acaba sempre caindo em algum buraco negro armadilhado pelas relações de poder, o que conduz a uma conclusão de ser bastante complexo realizar essa fuga.
Guy Debord fala ainda sobre o poder do espetáculo e sobre sua aliança com o Estado Moderno: “A cisão generalizada do espetáculo é inseparável do Estado Moderno [...] A separação é o alfa e o ômega do espetáculo. A institucionalização da divisão social do trabalho, a formação das classes, constitui a primeira contemplação sagrada, a ordem mítica em que todo o poder se desenvolve desde a origem.” O espetáculo moderno, diz o que a sociedade pode fazer, mas não necessariamente haverá tempo ou capital para se fazer, portanto é preciso descobrir alguma forma de se ter dinheiro. O sistema econômico que se tem a disposição, coloca o indivíduo na maior parte do seu tempo produzindo e no tempo que lhe sobra, consumindo. O espetáculo, segundo Debord, não passa de uma fábrica de alienação, construindo indivíduos separados de suas vidas, trasformados em meras mercadorias. “O espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem.”
E a imagem consolida o espetáculo, pois é através da necessidade do homem de possuir que, a mercadoria domina tudo o que rodeia o ser humano, sendo capaz de tornar o indivíduo falsamante autossuficiente, sem precisar manter relações com os outros que o cercam, o si mesmo e seus objetos de consumo são suficientes. O mundo é transformado em um mundo da economia, em que o espetáculo “canta” as mercadorias e as paixões do homem, não deixando margem para a escolha, a mercadoria reina absoluta e o homem mais uma vez torna-se escravo.
O espetáculo faz do homem uma marionete e o chama de “consumidor”,  constrói desejos e necessidades e coloca o consumo total como sua “terra prometida”. É o humanismo da mercadoria que entra em jogo, tomando “ a cargo os lazeres e humanidade do trabalhador, muito simplesmente porque a economia pode e deve dominar, agora, também estas esferas, enquanto economia política.” Tudo se faz pensando no capital, e este só tem por finalidade a negação da existência humana enquanto essência, colocando a mercadoria como indispensável.
A construção de um cenário apropriado para confundir o indivíduo enquanto pessoa, para torná-lo escravo da mercadoria e do comprar, do possuir, do ter o guiando para um lugar da insatisfação constante. A perda dos valores, o individualismo e a alienação conduzem o homem a uma falsa consciência de vida, de tempo, de memória. O espetáculo tem esse poder de criar um mundo real convertido apenas em imagens e ícones de “grande” valor capital.
De volta ao texto de Fredic Jameson, a respeito das duas fortes marcas do pós-moderno, em que uma delas seria o pastiche e a outra a esquizofrenia, é possível estabelecer relações sobre essas questões de perda de valores, de conversão do real em imagens, de falta de noção de tempo, memória e lugar de que fala Debord com os dois traços marcantes da pós-modernidade de que fala Jameson.
O indivíduo nesse percurso foi sendo conduzido a uma fragmentação e à perda da consciência, que são características presentes em um tempo, denominado por muitos teóricos como pós-modernidade. Sobre as transformações pelas quais passaram e passam os sistemas, modos de produção, tecnologia, Jameson diz que:
Acredito que a emergência da pós-modernidade está estreitamente relacionada à emergência desta nova fase do capitalismo avançado, multinacional e de consumo. Acredito também que seus traços formais expressam de muitas maneiras a lógica mais profunda do próprio sistema social. No entanto, vou limitar-me a indicar esta relação a propósito de um só de seus temas capitais: o desaparecimento do sentido da História, o modo pelo qual o sistema social contemporâneo como um todo demonstra que começou, pouco a pouco, a perder a sua capacidade de preservar o próprio passado e começou a viver em um presente perpétuo, em uma perpétua mudança que apaga aquelas tradições que as formações sociais anteriores, de uma maneira ou de outra, tiveram de preservar. (JAMESON, p.26)
Toda a questão abordada tanto nos textos de Jameson acerca da pós-modernidade, quanto dos efeitos da sociedade do espetáculo discutida por Guy Debord parecem estar inter-relacionadas, uma vez que na Sociedade do Espetáculo são trazidas as problematizações em relação à crise da representação, às “mentiras e manipulações” da mídia para conduzir o indivíduo a uma negação visível da vida, desvinculado de uma memória e de uma história e o pós-modernismo, segundo Jameson, vem para dar conta de novos traços, novos padrões que emergiram juntamente com a sociedade do espetáculo ou a também chamada sociedade pós-industrial.
Há muito por se analisar sobre todas essas questões. Foram feitos alguns recortes, para enfatizar algumas posições a respeito dos efeitos da sociedade pós-industrial e o surgimento do pós-modernismo. No entanto, como próprio Jameson diz, essas são questões ainda em aberto.
Nosso tempo sem dúvida... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser... O que é sagrado para ele, não passa de ilusão, pois a verdade está no profano. Ou seja, à medida que decresce a verdade a ilusão aumenta, e o sagrado cresce a seus olhos de forma que o cúmulo da ilusão é também o cúmulo do sagrado.
Feuerbach-Prefácio à segunda edição de A Essência do Cristianismo.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Sem mais

Outro dia, sem mais, começaram a me vir umas ideias... ideias, talvez, toscas ou prosaicas, mas que me levaram a outro lugar. O lugar não importa tanto, antes importa a reflexão, a tentativa de ver em meio a tantas sombras e limitações oferecidas em qualquer esquina, atrofiantes, e num estado maior de "pureza". Uma pureza bem trabalhada e facilitada ao máximo.
Então, pensava em como é difícil pensar, em como é difícil se dar conta do limite, ele está lá, você está imerso e não consegue ver o quanto. O tempo, esse escapa. O amanhã é sempre melhor. Hoje não tenho ideias. As que tenho, não servem. Jogo os jogos já jogados e mesmo sabendo os resultados, me sinto feliz, ou, seguro. Arriscar? Quanto? Por quê e pra quê? E pra que pensar nisso? Já pensaram, já disseram, já poetizaram e já tornaram "história". Aliás, dito, parece que tudo está. A questão agora é intertextualidade e arranjos novos. Os motivos, talvez mudem. No entanto, isso depende do seu horizonte apreciativo, ou ainda, das suas experiências e leituras de mundo. A imersão. Dessa tentamos fugir, mas não muito eficazmente. Uns pulos aqui, outros ali e enxergamos momentaneamente por sobre os muros que nos cercam em nós mesmos. Parece simples, mas é complexo "escrever" sobre o mesmo e o "outro" de forma diferente. Tudo está interligado e as coisas não são uma ou outra... Estão todas ali, caóticas e indo de encontro aos seres que acostumados precisam separar, organizar e classificar, e por isso, sem nem se questionar, excluem o outro de seu "eu", imaginando seguramente que as coisas são de uma forma ou de outra, quando, na verdade, elas são isso e aquilo e mais até. Não espero finalizar uma reflexão. Não espero dizer algo realmente não inundado por meus horizontes apreciativos.











Espero apenas dizer e, talvez, não estar falando sozinha, outra vez.