quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Refugiados


Fugiu de si pela janela!
Com tantos nomes e sem nem um, nenhumzinho.
Deixou a cama bagunçada de livros, o café na cabeceira, renovado a cada hora.
Abandonou montes de palavras caçadas ao sabor do chá de menta intercalado.
Deixou o papel e a caneta, depois
Se entregou à vista da janela, contou conchas na gaveta, foi correr ao som da noite.
Retornou com areia nas cabelos e com barro nas entranhas
Quis ouvir a melodia do ronrono dos meninos
saltadores,
malabaristas da sala, do quarto e do quintal.
Dos escaladores de pernas, com bigodes de orelha a orelha.
Melodia de olhos aureados, dos passos elegantes,
e de uma silhueta impecavelmente confundida com a alegria de ser.
Quis sentir o pulso atento
na melodia do ronronar ouvida de perto, a doce melodia dos olhos que falam
distraindo o coração.
Refúgio leve,
Recanto certo.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

uma saudade.

Uma saudade de coçar o céu da boca,
de apertar artéria torta, de sentir gosto de tempo.
Um desejo de comer pitanga no pé,
de ouvir LP contando fábulas, sentada no chão da cozinha, enquanto aprende a fazer tranças.
Uma vontade de vento nos olhos,
de brisa no balançar dos cílios do alto da garupa.
Ou no alto da primeira corrida apostada de bicicleta.
Uma memória de raspar os tachos e de esconder as provas do crime.
Lembrança de casa na árvore, de corrida no milharal, de joelho na terra e de tesouro secreto.
O anel de brilhantes do doce da padaria, o entardecer na praia.
Doce, doce saudade.
Risos entre lágrimas, sons dos primeiros passos, feijão queimando na panela.
Uma vitrolinha partida, um anjo sem asas.
Uma saudade das palavras de antigamente.

Assim, despertara Doraleia, cheia de memórias, transbordando de sentidos passados e futuros, entrelaçados no hoje.

Hoje é dia de saudade, pensava insistente.

sábado, 1 de setembro de 2012

Um fiapo de sol

O sol estava quente, de escaldar as memórias.
Um fiapo de tempo recordava o movimento constante das ideias.
Enquanto as veias escancaradas exalavam o sentido da vida.
Gota a gota, dia a dia, linha a linha.
O sol penetrava na pele, agitava as gotas, perpassava os dias e exaltava as linhas, inclusive as de expressão.
No peito o pulsar era descompassado, nada de um 'tum' depois do outro, a coisa estava mais para um "tim", para um "bum".
Na cabeça, nada de uma ideia depois da outra, às vezes, tudo, outras vezes, ecos e noutras ainda uma sinfonia apurada, controladamente organizada.
Nos olhos, um vitral.
memórias de ontem, de hoje e de depois.
O sol estava quente e refrescava as lembranças: passos no barro, voos de balanço, saltos de cascatas imaginárias, caças aos tesouros.
Doces memórias que o calor evocava, despudoradamente.
Na vitrola, nada além do som do vento arremessando as folhas umas contra as outras.
E as ideias sussurrando um emaranhado de sentidos, de melodias inesgotáveis.
O sol entrou na retina e ecoou na carne.